As memórias mais felizes que guardo da minha infância são memórias do
cheiro a fim de semana.
Ao sábado de manhã gosto de me levantar cedo porque aos primeiros raios de
sol cheira-me a feira.
Eu e o meu pai arrancávamos de casa bem cedo, juntos iamos para a feira
vender. Eu adorava aquele buliço e o ambiente, o montar a tenda, o expôr os
artigos da forma mais apelativa possível. Dava por mim a beber as expressões
que o meu pai usava para atrair a clientela e depois tratava logo de o imitar,
ele piscava-me o olho sorridente e orgulhoso sempre que eu vendia artigo.
Desenganem-se os pingos doces e os
continentes se acham que foram os inventores do “leve 3, pague 2!” quanto a
mim foi o meu pai e nem admito discussão.
O domingo de manhã cheira-me a graxa. Era esse o primeiro aroma dos
domingos de manhã e eu ainda de pijama, saltava da cama, corria lá em cima ao
terraço e lá estava ele, o meu pai: Sapatos alinhados em parada militar, o meu
pai sentado como um profissional num banquinho de madeira rentinho ao chão,
farrapo traçado na coxa a postos para puxar o lustro com firmeza um a um. E eu
ali ficava encantada a vê-lo, inspirando fortemente aquele cheiro que guardo
até hoje. Não sei o que brilhava mais se os sapatos lustrosos como novos, se os
olhos dele inflamados pelo gosto que punha em tudo o que fazia.
À hora do almoço de domingo cheira-me a espuma da barba.
Enquanto outros aromas se entrelaçavam na cozinha, o meu pai ia fazer a
barba e eu tinha lugar na primeira fila para aquele ritual. Primeiro enchia o
lavatório, depois fazia a espuma, em seguida cobria o rosto com aquele pedaço
de pai natal, e por fim eu redescobria sempre o rosto cheiroso e macio de meu
pai que pegava em mim ao colo e me pedia para eu ver bem de perto se ele tinha
feito um bom trabalho. Eu aconchegava-lhe o queixo com ambas as mãos que mais
do seu rosto não abarcavam e afogava o meu nariz na sua bochecha…cheirava-me
sempre a pai bonito.
Ainda hoje sempre que me deito, o lençol
exala um cheiro a saudade, porque me faltas tu ali sentado na beira da
minha cama a atracares-me os cobertores e aconchegares-me de carinho. Sinto
falta da tua mão áspera a afagar-me os cabelos como quem me acalmava a
rebeldia.
Nunca mais fui linda como só os teu olhos me viam pai.
Hoje, gosto de comtemplar as minhas mãos, nelas as veias azuladas e
proeminentes deixam adivinhar o pulsar de um sangue teimoso e determinado, o
teu, que nelas corre e que todos os dias me lembra que por muito que de mim te
afastes meu pai, a cada bater do meu coração te trago comigo.
Suri
17/01/2018
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Ps Se quiseres participar neste tema envia um texto sobre as tuas Memórias de infância até 5 de Fevereiro para o email dofundodocoracao1@gmail.com . Já agora vai comentando os textos que mais gostas!
Obrigado por esta nossa partilha tão boa! ♥
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Bonito texto 😊
ResponderEliminar♥
ResponderEliminarQuerida Suri! quase que também senti os cheiros!
Beijinhos Suri e Mel!
Este texto está tão profundo... quase que parece que consigo fechar os olhos e imaginar esses teus cheiros... esses momentos, esse amor que está ai dentro do peito, num lugar especial ♥
ResponderEliminarobrigado Suri por esta partilha inspiradora!!! bjos mil
A vida era tão mais simples antigamente. É disso que eu tenho mais saudades.
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