quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Memórias da minha Infância

A carta que a minha mãe nunca irá ler

Fecho os olhos.
respiro fundo... os pensamentos e sentimentos atropelam-se. Quero dizer tudo, não quero dizer nada... para não magoar a ti nem a mim, não quero ser injusta.
Falar sobre tudo mexe com as minhas entranhas. Tu sabes que éramos uma equipa, era tua amiga, companheira, ajudante, ama dos meus irmãos, tentei cumprir a promessa de te ajudar... mas esqueces-te sempre que também eu era uma criança.
Vivemos muitas coisas difíceis, separação do meu pai e irmão mais velho, mudanças constantes de casas e escolas, as coisas que vivemos com o 2 º homem que escolheste, o horror das noites a fugir do "monstro" do álcool, as cenas de violência... sempre quis proteger-te, ajudar-te, fazia tudo por ti e pelos meus irmãos, sei que não tinhas mais ninguém com quem contar mas também eu era uma criança.
Era alegre e divertida, mas houve muitos dias que tive medo... nunca o demonstrei porque a tua vida sempre foi muito difícil e eu compreendia isso, percebi desde cedo que precisavas de mim e eu lá estava. Só queria ser ajuda e não mais um problema para ti, dentro de todo o caos de vida familiar e interior que vivias.
Mas sabes o que mais custa cá dentro? são todas as vezes que não passaste a tua mão pelo meu cabelo, todas as vezes que não me aconchegas-te os cobertores, todas aquelas que não viste as minhas lágrimas, são todas as vezes que não perguntas-te "como correu o teu dia?!", são todos os abraços que nunca me deste, todos os beijinhos que não tive, todos os "gosto de ti", "adoro-te" ou "amo-te" que nunca te ouvi dizer. Todos os incentivos e apoio que nunca recebi: "boa", "obrigado", "és uma boa filha" ou "tenho orgulho em ti", nada disso. Pelo contrário, sempre exigiste muito de mim porque sempre te dei o máximo, tudo o que podia mas sempre te esqueceste que também eu era uma criança.
Tomava conta dos irmãos sozinha lembras-te?! tão pequenina e ficava com os dois enquanto davas aulas à noite e sabes era muito divertido e leve, tudo correu bem... Deus nos protegeu! Tive sempre uma grande maturidade, o que nem sempre é bom, acho que faltou viver mais meninice. Mas aquela tareia que me deste com o pau da vassoura marcou... as palmadas com o chinelo de madeira um pouco menos, mas todas as vezes que não me vias como filha marcaram ainda mais que todas as tareias físicas possíveis. Tento arranjar algumas explicações para a tua distância mas às vezes nenhuma delas encaixa cá dentro.
Fui a segunda mãe dos meus irmãos mais novos (e muitas vezes a primeira) e aquela com quem podias contar para tudo, confesso que sinto um certo orgulho disso.
A certa altura gostava muito de ficar na casa de amigos e colegas o tempo que pudesse só para conhecer e sentir o cheiro a família, só para ver como é o amor de outras mães... e esse confronto doeu, porque não sabia como era uma relação "normal", só conhecia a minha realidade. E a partir daí tive que gerir cá dentro muita coisa, ainda tenho...
Não te quero julgar... herdei de ti a fibra de lutar, de ser corajosa e desenrascada que tem servido de muito para a minha vida. O sentimento constante de gostar de ajudar também de alguma forma me caracteriza por aquilo que vivemos juntas.
Nem tudo foi mau.
Não te quero julgar... percebo que não conseguiste fazer melhor, tiveste uma vida dura, perdeste o teu pai com 13 anos, perdeste o teu chão, o teu norte, escolheste mal os pais dos teus filhos, tudo te faltou mas ainda assim tens sempre um sorriso na cara para dar aos outros e isso também herdei de ti! Nem tudo foi mau, mas por mais que me custe dizer não soubeste cumprir o papel de mãe para comigo, ainda hoje não consegues. Bem cá no fundo espero que chegue esse momento, que tenhas algo de mãe para mim... um dia.
 Estas cicatrizes doem muito cá dentro... uns dias mais, outros menos. Agradeço a Deus o trabalho que tem feito no meu coração (e ainda preciso que continue a fazer): para minimizar estragos emocionais, para perdoar, para ajudar, para compreender, para amar, para ver o lado bom, para fazer melhor com os meus filhos. Vou errar como mãe... oh se vou... tenho muitas falhas sim, mas aquilo que me faltou isso não lhes faltará: colo e amor de Mãe!
  Fecho os olhos, respiro fundo e procuro encontrar tudo de positivo que trouxe em mim toda a vivência na infância. Deu-me arcaboiço para enfrentar as dificuldades da vida com outra perspectiva. Sim, mas o mais difícil de suportar será sempre todos os abraços que nunca me deste, todos os beijinhos que não tive, todos os "gosto de ti", "adoro-te" ou "amo-te" que nunca te ouvi dizer...

22/01/18


13 comentários:

  1. Estou...sem palavras.
    Tantos anos depois, só com este texto percebi o quanto nos une.

    O passado não se apaga, não se esquece. O meu primeiro "Gosto muito de ti, minha filha!" Aconteceu tinha eu 44 anos. Desejo do fundo do meu coração que esse momento aconteça na tua vida também...minha QUERIDA, MINHA DOCE...MINHA PRINCESA!

    jINHOOOOOOOSSSSS e um abraço muito, muito apertadinho.

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    1. Há coisas incríveis mesmo... ♥
      Há sempre esperança!!
      Obrigado minha querida por estares na minha vida!

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  2. ♥♥♥
    Recebe um abraço virtual apertadinho... fiquei sem palavras...
    Compreendo bem parte do que dizes...
    Beijinhos
    ♥♥♥

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    1. Nestas nossas partilhas descobrimos que existe mais coisas que nos unem ao outro do que coisas que nos separam!
      estamos juntas ;)
      bjinhos nat.

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  3. Há cicatrizes que custam muito a fechar, percebo tão bem..
    Gostei muito do blog, segui.
    Um grande beijinho, Bia ❤
    https://beautystuffblog.blogspot.pt/

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    1. Bia sê bem-vinda!!
      Se quiseres partilhar um pouco da tua história participa no desafio Temas da Vida - tema de Janeiro é Memórias de Infância. esta partilha é mesmo boa acredita!

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  4. Mel como temos muito em comum, mas eu da parte de um pai que era tudo o que descreveste e mais, mas sabes com a doença do meu pai aprendi que ele me amava ao seu jeito e senti isso, por isso sempre disse que ele fez aquilo que achava melhor para nós, não foi por nos querer mal, era o melhor que ele conseguia dar. Nos últimos momentos de vida do meu pai, quando ele me apertava a mão eu sentia que ele me queria dizer filha amo-te, e sem o dizer nem eu lho consegui dizer. Por isso nós somos diferentes com os nossos filhos, valorizamos mais. Eles não saiam fazer melhor, eram outros tempos. De mim recebe um abraço em apertadinho, e no teu ouvido ouvirás dizer, tu mereces o melhor. eijinho

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  5. Vencedor!

    Do fundo do (meu) coração!

    Jinhooooooosssssss minha mai'noba:)

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