A dor de uma Amizade
Vem cá. Senta-te aqui ao pé de mim. Olha para mim.
Lembras-te de mim?
Eu lembro-me de ti. Parecias um bichinho assustado quando te
vi pela primeira vez. Tinham-nos acabado de abrir uma janela de oportunidade de
futuro e estavamos ambas a concorrer ao mesmo emprego, para pertencer ao mesmo
grupo de trabalho. Tinhamos 20 anos e uma sorridente vida inteira à nossa
frente. Por causa da minha infância e adolescência rápidamente reconheci em ti
aquele tipo de miúda de quem todos iriam tentar abusar, eras frágil, dócil,
demasiado frágil, demasiado dócil. Tomei-te debaixo da minha asa. Ensinei-te
tudo (o pouco) que sabia da vida, tentei ajudar-te a crescer. A tua permanente
vontade de agradares a tudo e a todos irritava-me solenemente. A tua tendência
para seres “tapete” tirava-me do sério. A cada batalha que surgia no trabalho
lá estava eu na linha da frente defendendo-te com uma fé canina de tudo e de
todos.
Dei-te tudo de mim. Anos passados eu sorria de peito cheio
ao ver-te uma mulher adulta e com carreira profissional à tua frente.
Sentia um orgulho intímo porque sabia ter-te ajudado a seres
quem eras.
Acompanhei-te ao altar. Fui a primeira a pegar na tua filha.
Fui o teu ombro quando a tua mãe adoeceu, fui ouvidos dos teus desgostos, frustrações,
desilusões e desabafos, fui o abraço com que podias sempre contar. Os teus
sonhos, os teus segredos. Éramos o Alfa e o Omega, o Roque e a Amiga.
Eu estava lá.
Também estava lá no dia em que foste a primeira a apontar-me
o dedo. Estava lá quando me acusaste de algo que eu não era, nunca fui e tu
mais que ninguém tinhas obrigação de saber. Estava lá quando nos dias mais
negros da minha vida precisei da minha melhor amiga e tu me respondeste que
precisavas de tempo, precisavas de espaço. Estava lá quando foste a primeira a
não confiar em mim. Estava lá quando no trabalho optaste por ficar ao lado
daqueles que só te ofereceram posição da confiança deles, porque eu te ensinei
a crescer e na dúvida entre ti e mim, empurraste-me para trás, para que só a ti
te vissem.
Estava lá no dia em que fizeste de mim tapete para entrares
no teu novo gabinete.
Nunca tinha conseguido enxergar Judas em ti, mas eu estava
lá no dia em que realmente te vi.
Vivi muitos anos mergulhada numa tristeza profunda em que
preferi esquecer a tua existência, tentei matar-te dentro do meu peito, mas a
lança que aqui deixaste atravessada fazia-me lembrar de ti a cada respiração. Havia
dias em que a dor era lancinante, chorar não aliviava e respirar doía.
A doença encontrou-te e quando eu soube foi como se nos
tivessemos despedido ontem, no dia seguinte aproximei-me de ti e disse-te: “Apesar
de tudo, estou aqui para o que precisares.” Abraçaste-me e eu qual criança
inocente voltei a acreditar. Mas por muito pouco tempo. Já não sou criança. Já
não sou inocente…e desta vez não precisei de quase 20 anos para perceber que a única
coisa que consegues ver em mim é um meio, para atingir um fim.
Por isso amiga,
como diz a música “o que lá vai, lá vai” desta vez quase não doeu, pelo menos
para quem está a ver do lado de fora, porque se espreitassem aqui dentro,
perceberiam que vivo de peito rasgado, arranquei-lhe a lança, ficou a dor, porque
a amizade que tinha por ti perdi-a e não a voltei a encontrar.
16/02/2018
Suri
Bonito texto :)
ResponderEliminarAi Suri... Como deve doer... Beijinhos...
ResponderEliminarNem sei o que dizer.. nem sei o que pensar...
ResponderEliminar:(
Li nas tuas palavras os meus pensamentos. Doí, não doí? Mas como sempre acreditei, cada um dá ao mundo aquilo que tem e é sempre melhor ter um coração ingénuo do que um coração vazio =)
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