terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Amizade (3)

A dor de uma Amizade

Vem cá. Senta-te aqui ao pé de mim. Olha para mim. Lembras-te de mim?
Eu lembro-me de ti. Parecias um bichinho assustado quando te vi pela primeira vez. Tinham-nos acabado de abrir uma janela de oportunidade de futuro e estavamos ambas a concorrer ao mesmo emprego, para pertencer ao mesmo grupo de trabalho. Tinhamos 20 anos e uma sorridente vida inteira à nossa frente. Por causa da minha infância e adolescência rápidamente reconheci em ti aquele tipo de miúda de quem todos iriam tentar abusar, eras frágil, dócil, demasiado frágil, demasiado dócil. Tomei-te debaixo da minha asa. Ensinei-te tudo (o pouco) que sabia da vida, tentei ajudar-te a crescer. A tua permanente vontade de agradares a tudo e a todos irritava-me solenemente. A tua tendência para seres “tapete” tirava-me do sério. A cada batalha que surgia no trabalho lá estava eu na linha da frente defendendo-te com uma fé canina de tudo e de todos.
Dei-te tudo de mim. Anos passados eu sorria de peito cheio ao ver-te uma mulher adulta e com carreira profissional à tua frente.
Sentia um orgulho intímo porque sabia ter-te ajudado a seres quem eras.
Acompanhei-te ao altar. Fui a primeira a pegar na tua filha. Fui o teu ombro quando a tua mãe adoeceu, fui ouvidos dos teus desgostos, frustrações, desilusões e desabafos, fui o abraço com que podias sempre contar. Os teus sonhos, os teus segredos. Éramos o Alfa e o Omega, o Roque e a Amiga.
Eu estava lá.
Também estava lá no dia em que foste a primeira a apontar-me o dedo. Estava lá quando me acusaste de algo que eu não era, nunca fui e tu mais que ninguém tinhas obrigação de saber. Estava lá quando nos dias mais negros da minha vida precisei da minha melhor amiga e tu me respondeste que precisavas de tempo, precisavas de espaço. Estava lá quando foste a primeira a não confiar em mim. Estava lá quando no trabalho optaste por ficar ao lado daqueles que só te ofereceram posição da confiança deles, porque eu te ensinei a crescer e na dúvida entre ti e mim, empurraste-me para trás, para que só a ti te vissem.
Estava lá no dia em que fizeste de mim tapete para entrares no teu novo gabinete.
Nunca tinha conseguido enxergar Judas em ti, mas eu estava lá no dia em que realmente te vi.
Vivi muitos anos mergulhada numa tristeza profunda em que preferi esquecer a tua existência, tentei matar-te dentro do meu peito, mas a lança que aqui deixaste atravessada fazia-me lembrar de ti a cada respiração. Havia dias em que a dor era lancinante, chorar não aliviava e respirar doía.
A doença encontrou-te e quando eu soube foi como se nos tivessemos despedido ontem, no dia seguinte aproximei-me de ti e disse-te: “Apesar de tudo, estou aqui para o que precisares.” Abraçaste-me e eu qual criança inocente voltei a acreditar. Mas por muito pouco tempo. Já não sou criança. Já não sou inocente…e desta vez não precisei de quase 20 anos para perceber que a única coisa que consegues ver em mim é um meio, para atingir um fim.
Por isso amiga, como diz a música “o que lá vai, lá vai” desta vez quase não doeu, pelo menos para quem está a ver do lado de fora, porque se espreitassem aqui dentro, perceberiam que vivo de peito rasgado, arranquei-lhe a lança, ficou a dor, porque a amizade que tinha por ti perdi-a e não a voltei a encontrar.

16/02/2018

Suri

4 comentários:

  1. Ai Suri... Como deve doer... Beijinhos...

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  2. Nem sei o que dizer.. nem sei o que pensar...
    :(

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  3. Li nas tuas palavras os meus pensamentos. Doí, não doí? Mas como sempre acreditei, cada um dá ao mundo aquilo que tem e é sempre melhor ter um coração ingénuo do que um coração vazio =)

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